Para tentar conter as violações de direitos, sobretudo da população que vive nas favelas, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) e a Defensoria Pública da União (DPU) entregaram ao Gabinete da Intervenção um ofício no qual exigem a adoção de protocolos para as operações realizadas pelas Forças Armadas no Estado. O documento requer uma série de medidas para impedir o uso excessivo da força letal pelos militares, acabar com o fichamento generalizado dos moradores e evitar as revistas coletivas nas residências. Também são requeridos meios para dar transparência à ação militar, que irá durar até o fim do ano.
O ofício foi entregue pessoalmente pelos representantes da DPRJ e da DPU ao coronel Marcelo D’Ávila, que representou o Gabinete da Intervenção na audiência pública promovida pelas duas instituições para debater a ação das Forças Armadas no Rio. O evento aconteceu na segunda-feira da semana passada (16/3). O documento prevê medidas para várias situações. Uma delas diz respeito à revista indiscriminada às casas dos moradores das comunidades.
O documento lembra que a inviolabilidade do lar é um direito garantido pela Constituição Federal brasileira, assim como por diversos tratados internacionais, dentre os quais o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Mesmo assim, é reiteradamente ignorado. O Boletim “Direito à Segurança Pública na Maré”, produzido pela organização “Redes da Maré”, que foi citado pelas Defensorias no ofício, mostra que a invasão de domicílio foi a ocorrência mais frequente em 2017 dentre os atendimentos prestados aos moradores da comunidade (28% das ocorrências).
Segundo o 2º defensor público-geral do Estado, Rodrigo Pacheco, a violação indiscriminada e arbitrária de domicílios, até mesmo no período noturno e com relatos de furtos praticados por agentes de segurança, levou a Defensoria Pública, a organização “Redes da Maré” e associações de moradores de três das favelas do Complexo de Favelas da Maré a ingressar com uma ação civil pública que resultou na concessão de uma liminar determinando “que os mandados judiciais de prisão e de busca e apreensão por parte de policiais militares e civis devem ser cumpridos durante o dia, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro”. Essa decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça e ainda se encontra em vigor.
No documento, também são destacadas a decisão obtida pela DPRJ que proibiu os mandados de busca e apreensão coletivos na Cidade de Deus, assim como a utilização de uma casa no Largo do Samba, no Complexo do Alemão, como uma base militar pela Unidade de Polícia Pacificadora. No ofício, a DPRJ e a DPU pedem respeito a essas decisões nas operações que vierem a ser realizadas durante a intervenção.
A DPRJ e a DPU também requisitaram a adoção de medidas para evitar que a “população civil, não participante dos conflitos, seja alvo de atos por parte das Forças Armadas”. As Defensorias destacam no documento que o número de homicídios decorrentes de Intervenção Policial atingiu, em 2017, a maior taxa dos últimos nove anos, com 1.124 pessoas mortas durante as ações da Polícia, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Somente em janeiro deste ano, esse índice cresceu 57,1% em comparação ao mesmo mês do ano passado, quando foram registradas a morte de 154 e 98 pessoas, respectivamente.
No documento, a DPRJ e a DPU pedem também uma regulamentação para o uso da força e armas, com investimentos em equipamentos de autodefesa para os agentes e, sempre que possível, a adoção de soluções pacíficas antes de se recorrer à violência. O ofício pede ainda medidas que impeçam a presença de agentes sem a devida identificação funcional nas operações, o que pode levar às violações de direitos.
Outro ponto abordado no documento diz respeito às abordagens generalizadas, como a que ocorreu na Vila Kennedy, onde moradores foram “fichados”. A DPRJ e a DPU também pedem que a intervenção federal não admita como prática a devassa de dados telefônicos da população de forma indiscriminada, "como das conversas do Whatsapp, contatos, acesso aos aplicativos e fotos constantes de aparelho de telefonia celular apreendido durante prisões em flagrantes ou buscas pessoais", sem a necessária autorização judicial.
– Com a intervenção federal, elaboramos esse ofício para entregar ao interventor, para que seja dada continuidade a uma série de medidas e ações que já vínhamos desenvolvendo, para garantir os direitos da população que vive nessas regiões conflagradas. Vivemos hoje uma crise aguda nos níveis de violência. E com a intervenção, precisamos estabelecer parâmetros de atuação. Nosso objetivo, com este documento, é tentar o diálogo para a implantação de mecanismos de controle e prestação de contas – explicou o defensor Rodrigo Pacheco, o objetivo do ofício.
– Esperamos que o gabinete da intervenção encampe uma segurança cidadã que valorize a vida e que se reduza o clima de insegurança que parcela significativa da população sofre não apenas de grupos armados, como do próprio Estado – acrescentou o defensor público da União, Thales Arcoverde.
Transparência
As Defensorias também sugerem medidas para a maior transparência das ações, com a divulgação de dados detalhados sobre as operações. Nesse sentido, as instituições pedem a divulgação de informações tais como o ordenador, comandante e objetivo das operações, além de dados relativos às pessoas detidas e pessoas mortas (policiais e civis) em cada ação, quantidade de adolescentes e materiais apreendidos, buscas domiciliares realizadas, consumo individualizado de munição e relação do armamento em cada incursão, viaturas utilizadas, policiais e militares participantes nas operações e quaisquer outras informações pertinentes ao controle externo da atividade policial e militar e à proteção de direitos humanos.
Clique aqui para acessar o ofício na íntegra.