Palestrantes em debate sobre racismo institucional e sistema de Justiça

 

As formas de manifestação do racismo institucional no Sistema de Justiça e as suas dinâmicas estiveram em debate, na quinta-feira (22) e na sexta (23), durante o primeiro seminário nacional sobre o tema sediado na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) e realizado por meio de parceria entre diversas entidades e instituições. Logo no início do evento um vídeo emocionou as pessoas presentes por mostrar a visão da yalorixá Beata de Yemanjá e da vereadora e socióloga Marielle Franco sobre a luta antirracista.

A representante das religiões de matriz-africana e a representante do movimento de mulheres negras, ambas com mortes recentes, também foram lembradas em outros momentos da "I Jornada Nacional sobre Racismo Institucional e Sistema de Justiça", cuja abertura contou com a participação do 2º subdefensor-geral do estado, Rodrigo Baptista Pacheco.

– A Defensoria é a única instituição pública que monitora as audiências de custódia no Rio de Janeiro e, para uma pesquisa, fez mais de 17 mil entrevistas com pessoas apresentadas nessas audiências nos últimos dois anos. Os dados são assustadores: 80% das pessoas que passam pelas audiências de custódia são negras – destacou Rodrigo Pacheco.

– E mais: a gente fez um levantamento há cerca de um ano e, além das pessoas negras serem as mais presas, elas têm mais chance de permanecerem presas. Apresentamos esses dados publicamente, o que gerou uma enorme repercussão porque as instituições do sistema de Justiça não conseguem se ver como estimuladoras do racismo – completou Pacheco.

Realizada no auditório da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública (Fesudeperj), a jornada também contou com a participação da coordenadora da ONG Criola, Lúcia Xavier, que na abertura do evento lembrou do racismo como forma de desigualdade.

– Quero lembrar que não estamos falando aqui do racismo das relações interpessoais, mas daquele que está nas relações que produzem desigualdade, violência, morte e também riqueza, poder e privilégios para outros. É desse ponto de vista que a jornada está aberta – disse.

Ao falar sobre o tema, a supervisora de Educação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Allyne Andrade, destacou três pontos relacionados ao racismo.

– Eu tenho pensado muito no racismo como uma tripla morte do ser negro, que é a morte em vida, por nascer na invisibilidade; a morte física, como a que foi imposta à Marielle, à Claudia Silva, à Luana; e a morte espiritual, porque é muito importante o legado dos nossos mais velhos. É um canto de resistência que sejamos bem lembrados e a gente está passando agora por uma disputa para que a Marielle também seja bem lembrada – observou.

A articuladora do Fórum Justiça, Élida Lauris, falou sobre o racismo como trauma.

– Nesse momento em que a sociedade partilha e se solidariza com uma dor que a população negra sente e carrega há muito tempo sozinha, a pergunta que eu me faço é se o sistema de Justiça é capaz de nos ajudar no processo de superação desse luto. E para mim a resposta é não porque nós não temos um sistema de Justiça suficientemente antirracista para nos fazer superar esse trauma (da morte de Marielle Franco), porque ele nunca ajudou a superar o trauma do racismo – frisou.

Já a advogada da Fundação Ford, Letícia Osório, destacou a importância da atuação das organizações filantrópicas de justiça social no enfrentamento à questão.

– Não se trata somente de prestar uma atenção disciplinada à raça e à etnicidade na análise de problemas e na busca de soluções, mas, principalmente, de trazer para o foco como a raça e a etnicidade dão forma ao poder, à política, ao acesso de oportunidades e à distribuição da riqueza: à própria democracia – observou.

Primeira mesa de debates teve como tema “Racismo Institucional e Sistema de Justiça”

Após a abertura da jornada foi apresentada a Sessão I do evento: “Racismo Institucional e Sistema de Justiça”, cujo objetivo era o de refletir sobre a produção de diagnósticos relacionados ao racismo e abordar estratégias de prevenção e enfrentamento.

– É importante falar da formação na verdade dos valores jurídicos e a partir do pertencimento racial das pessoas. Com isso, acho que a gente pode pensar no porquê e tentar de alguma forma investir contra os diversos racismos, especialmente o institucional – destacou a procuradora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Dora Lúcia de Lima Bertúlio.

Professora nos cursos de graduação e pós-graduação do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), Thula Rafaela de Oliveira Pires também participou da primeira mesa de debates da jornada.

– Vale destacar os mecanismos que os operadores do sistema de Justiça costumam mobilizar para se esconder atrás de um vocabulário jurídico, de institutos, de categorias processuais que vão reproduzir o racismo e serão responsáveis pela sua propagação e perpetuação, mas que oferecem uma chancela confortável e juridicamente reconhecida para a própria covardia – destacou Thula, que também é doutora em Direito pela PUC-Rio e é coordenadora-adjunta de Graduação no mesmo curso.

– Acredito que a reflexão segue no sentido de pensar porque as instituições ainda se omitem e tendem a acreditar nesses mitos de democracia racial, tendo em vista que todos os dados comprovam que existe um abismo muito grande entre a realidade dos negros e não negros hoje no Brasil e que as instituições repercutem e reproduzem todas essas práticas e ideologias e narrativas racistas – completou Ana Míria Carinhanha, integrante da equipe da ONG Criola.

Para a doutoranda e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD-UFF), Caroline Câmara Pires dos Santos, esse é o momento de pensar o papel do Direito.

– É também o momento de pensar como a gente vai desorganizar para reorganizar de uma forma que sejamos abarcados pela legislação, que já está completamente marcada por esse sistema de Justiça e ele não consegue dar conta das nossas demandas porque não foi feito para nós. A remoção em favela é um exemplo muito significativo de como esse sistema de Justiça não opera a nosso favor – lembrou.

A I Jornada Nacional sobre Racismo Institucional e Sistema de Justiça foi realizada pela DPRJ; pelo Núcleo Contra a Desigualdade Racial da instituição (Nucora); pelo Centro de Estudos Jurídicos (Cejur); pelo Fórum Justiça; pelo IBCCRIM e pela ONG Criola; e teve ainda o apoio da Fesudeperj; da Ford Foundation; e da Frente de Juristas Negros e Negras do Rio de Janeiro.

Clique aqui e confira a programação completa da jornada.

Texto: Bruno Cunha

Foto: Blínia Messias Fotografia



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