A prática da expropriação do dinheiro apreendido no sistema penitenciário por motivo de jogo mediante aposta entre presos – e que, em vez de ser devolvido posteriormente a eles, é repassado ao Fundo Especial Penitenciário (Fuesp) –, está sendo judicialmente questionada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) na segunda representação de inconstitucionalidade da história da instituição ajuizada junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ). Na primeira ação do tipo, a DPRJ conseguiu derrubar no colegiado uma lei municipal que proibia a implantação de política de ideologia de gênero nas escolas municipais de Volta Redonda, no Sul Fluminense.
Agora, em sua segunda representação de inconstitucionalidade, a Defensoria Pública questiona parte da Lei Estadual 1.125/87, que criou no estado o Fundo Especial Penitenciário (Fuesp) para a melhoria da estrutura das unidades prisionais com a adoção de medidas como, por exemplo, a compra de colchões. O problema é que o artigo 2, IV, da lei, prevê como forma de receita do Fundo, além do orçamento, o dinheiro apreendido com os presos por motivo de jogo mediante aposta e é esse o ponto que a Defensoria entende como inconstitucional, já que, na prática, há a retirada do valor sem posterior devolução, isto é, há a expropriação.
Na representação protocolada no dia 22 de fevereiro, a Defensoria também argumenta que o dinheiro decorrente da apreensão não tem sido repassado ao Fundo Penitenciário e que o estado não tem competência para legislar sobre esse tipo de assunto, que, segundo a instituição, depende de edição de lei pelo Congresso Nacional.
– A prática da apreensão do dinheiro do preso é antiga no sistema penitenciário e mesmo assim foi verificado que o Fundo Penitenciário não tem recebido tais verbas, o que ainda está sendo apurado pela Defensoria Pública. De todo modo, a lei incentiva essa prática, que tem se mostrado intensa e violadora de direitos constitucionais basilares – destaca o coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da DPRJ (Nuspen), Marlon Barcellos.
Além do artigo 2, IV, da Lei Estadual 1.125/87, a Defensoria também quer que seja declarado inconstitucional o artigo 65, parágrafo 4º, do Decreto 8.897/86, porque é dispositivo que regulamenta a lei e prevê em quais situações será feita a apreensão nas unidades prisionais, sendo basicamente duas. Uma delas é quando há com o preso quantia superior aos 10% previstos pelo Regulamento Penitenciário para a permanência na unidade prisional – e, quando isso acontece, o dinheiro excedente deve ser devolvido posteriormente – e a outra é quando o valor apreendido é decorrente de jogo mediante aposta entre os internos.
– Essa hipótese de expropriação não tem previsão constitucional e viola o princípio da razoabilidade, por haver medida menos restritiva para o atingimento da finalidade, além do próprio direito de propriedade – argumenta Marlon.
Decisão favorável na primeira representação
A primeira representação de inconstitucionalidade ajuizada pela Defensoria Pública no Órgão Especial do Tribunal de Justiça resultou em decisão favorável à instituição no dia 17 de abril de 2017. Na ocasião, foi declara inconstitucional – por maioria de votos – a Lei Municipal 5.165, que vedava “a implantação de política de ideologia de gênero nos estabelecimentos de ensino” de Volta Redonda e que foi aprovada pela Câmara Municipal em junho de 2015.
Na época o prefeito chegou a vetar a lei, mas o Legislativo derrubou o veto e a medida entrou em vigor na região, levando o Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (Nudiversis) da Defensoria a protocolar a representação.
Já o julgamento do caso contou com a sustentação oral do defensor-geral do Estado, André Castro, e ele disse em plenário que, na verdade, a lei proibia o assunto “gênero” nas escolas, ou seja, que proibia o debate sobre os atributos e os significados que, de modo geral, uma sociedade atribui a homens e mulheres.
“O papel masculino de sustentar a família e o feminino de ficar em casa cuidando do lar são, por exemplo, atributos com os quais ninguém nesse plenário concorda. Mas infelizmente ainda estão arraigados e presentes em nossa sociedade. Os comportamentos que se derivam desse padrão, sabemos todos, resulta muitas vezes em violência física e, em muitos casos, até em morte” sustentou André Castro na ocasião.
O defensor-geral lembrou “os atributos heterossexuais, que também são majoritários em nossa sociedade” e que, muitas vezes, resultam em preconceito e em violência física, “lamentavelmente, desde a escola”, para quem têm orientação diferente, destacando, ainda, que o Brasil registra o maior número de homicídios de transexuais e travestis do mundo e que é um país que “ostenta vergonhosos índices de violência contra a mulher”.
Texto: Bruno Cunha