Apesar do entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos de que a prisão preventiva só pode ser admitida em duas situações (quando o acusado possa vir a fugir ou impedir a continuidade do processo), outras vem sendo adotadas na prática por forças policiais e demais agentes em atuação no estado. Em palestra sobre o tema no I Seminário Referências Internacionais em Direitos Humanos – Controle de Convencionalidade e Jurisprudência na Corte Interamericana, Carlos Gaio, advogado no tribunal, falou sobre os padrões a serem observados quando alguém é privado de sua liberdade durante participação no segundo e último dia do evento de iniciativa da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ).
– Em relação à prisão preventiva, essas são as duas únicas condições nas quais e medida é considerada legítima e legal para a Corte e são critérios importantes, mas poucas vezes respeitados. Na hora de realizar uma detenção ou uma prisão há uma série de requisitos que o estado deve seguir e que estão na jurisprudência da Corte Interamericana, o que nem sempre é observado pelas forças policiais ou pelos agentes estatais ao cumprir uma detenção – observou Carlos Gaio.
Com o tema “A Jurisprudência da Corte Interamericana em matéria de direito à liberdade pessoal e reparações ordenadas sobre a matéria. Cárceres e pessoas privadas de liberdade”, a palestra proferida por Carlos Gaio contou com pontos como o das condições e regras a serem observadas para a garantia da integridade pessoal e da vida de todas as pessoas privadas de liberdade, seja em prisão, em delegacia ou em estabelecimento psiquiátrico.
– Não importa onde. Se a pessoa estiver privada de liberdade pelo estado, ele é o responsável por garantir esses direitos e por isso deve atuar de maneira efetiva nesse sentido. É obrigação do estado garantir que nenhuma pessoa privada de liberdade sofra violação à integridade pessoal e à vida e, se isso ocorrer, há a presunção de que o estado é o responsável e o dever de atuar e indenizar ou prover uma reparação para a pessoa que sofreu a violação – disse Gaio.
Em sua participação, Emanuel Queiroz falou sobre as barreiras para a efetiva aplicação da jurisprudência da Corte e uma delas é o idioma.
– O Brasil é o único país de Língua Portuguesa das Américas e isso gera, sem dúvidas, uma dificuldade na implantação da jurisprudência da Corte nas nossas teses, na importação desses estudos e desses escritos para o nosso dia a dia. E a ideia da DPRJ de ter um projeto para traduzir ao Português os cadernos de jurisprudência da Corte certamente potencializaria a aplicação das decisões aos casos concretos enfrentados cotidianamente pelos defensores públicos e outros operadores do Direito – observou.
Já para Guilherme Pontes, da Justiça Global, “é evidente o descompromisso do estado brasileiro com as obrigações internacionais de direitos humanos, seja na não garantia do direito à liberdade pessoal como nas condições de detenção, que são absurdas.”
– Qualquer um aqui que tem experiência no sistema prisional sabe que as condições de aprisionamento nesse país estão a anos-luz de distância do estandares (linhas mestres do pensamento) do sistema interamericano – disse.
Controle de Convencionalidade
O segundo dia de seminário foi aberto com a palestra “Controle de Convencionalidade. A utilização dos padrões internacionais nos ordenamentos jurídicos nacionais, experiências comparadas e o impacto do sistema interamericano de direitos humanos na América. Experiências comparadas”, proferida por Alexei Julio, diretor jurídico da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
– O ponto mais importante de controle de convencionalidade está baseado na ideia de que todas as autoridades estatais devem promove-lo. Há a necessidade de criar uma cultura de difusão da jurisprudência da Corte e que todos os atores se apropriem dos estandares (linhas mestres de pensamento). Não só as autoridades judiciais, mas também defensores públicos, promotores, advogados, autoridades administrativas e legislativas. Todos devem se inserir dentro da cultura dos direitos humanos e uma das maneiras de se alcançar isso é familiarizar-se com os grandes marcos da jurisprudência da Corte – destacou Alexei.
A palestra contou com a intervenção da defensora pública Patrícia Magno, atuante no Núcleo do Sistema Penitenciário da DPRJ, que falou sobre como o controle de convencionalidade pode impactar uma atuação emancipatória da Defensoria Pública.
– Procurei refletir de que modo a atuação defensorial pode provocar o controle de convencionalidade enquanto fenda, enquanto possibilidade de uma atuação emancipatória em prol das pessoas em situação de vulnerabilidade, que são o nosso público alvo. E, aí, a jurisprudência do sistema nos dá diversas possibilidades de uma atuação contra hegemônica e que fissure o sistema de Justiça hegemônico, produzindo uma lógica de proteção de direitos humanos – disse.
Coordenadora da mesa, Adriana Ramos, do IBMEC, destacou como ponto principal da palestra “a possibilidade de utilização da jurisprudência do sistema interamericano, nos casos do dia a dia, quando da provocação daqueles que atuam no sistema de Justiça utilizando essa argumentação e as decisões dadas pela Corte.”
– Esse controle de convencionalidade não é feito apenas nos casos acionados na Corte Interamericana. Esse controle pode ser exercido cotidianamente e aqui pelos juízes, inclusive de primeira instância – ressaltou.
Texto: Bruno Cunha
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