A Defensoria Pública do Rio em Araruama, na Região dos Lagos, conseguiu, por unanimidade, junto à 5ª Câmara Criminal, a absolvição de um homem e de uma mulher condenados por assalto à mão armada apenas com base em reconhecimento fotográfico realizado pela vítima, na delegacia. O réu e a ré passaram dois anos e oito meses em prisão preventiva, mas o Tribunal de Justiça, em respeito à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que o reconhecimento por foto não pode ser a única prova numa condenação criminal.
— Os Tribunais Superiores vêm decidindo exaustivamente pela impossibilidade de condenação lastreada exclusivamente no reconhecimento fotográfico. O Conselho Nacional de Justiça já iniciou grupo de trabalho a fim de criar diretrizes para a realização do reconhecimento em respeito ao art. 226 do Código do Processo Penal, e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já expediu recomendação para que os juízos reavaliem prisões preventivas decretadas com base no reconhecimento fotográfico. Toda essa movimentação ainda enfrenta resistência em alguns juízos do Estado do Rio de Janeiro, mas a sinalização é de que prisões e condenações como essas precisam ser revistas imediatamente — explica o defensor público Lucas Figueiredo de Sant'Anna, que atuou no caso.
O homem e a mulher haviam sido condenados a oito anos, dez meses e vinte dias de prisão. O assalto de cuja autoria foram acusados aconteceu em 2 de outubro de 2018, quando um motoboy, a serviço de um hospital, teve levados o veículo, a mochila, o celular e tubos de coleta de sangue.
No mesmo dia, a vítima fez registro da ocorrência, mas não soube identificar os autores do delito. Dois meses depois, em 27 de dezembro, o motoboy foi chamado à delegacia para prestar novo depoimento e realizar reconhecimento fotográfico.
“Logo, tomando por base o fato de que no processo penal uma condenação deve ser lastreada em um juízo de certeza acerca da autoria e materialidade do crime, as provas acima destacadas demonstram que, de fato, não existem condições seguras para alicerçar uma sentença condenatória. Os riscos advindos de uma eventual condenação equivocada fazem com que a dúvida sempre milite em favor do acusado”, destaca o relatório do desembargador da 5ª Câmara Criminal.
Além da dupla absolvida a pedido da Defensoria, um outro homem teria participado do assalto ao motoboy e foi supostamente identificado por fotografia no álbum de suspeitos policial, mas acabou absolvido ainda em primeira instância.
— O reconhecimento fotográfico é extremamente violador dos direitos fundamentais, mas além disso, é o reflexo do racismo estrutural presente em nossa sociedade. Todos sabem quem ocupa as páginas de tais cadernos de reconhecimento fotográfico e não à toa os dois acusados hoje absolvidos são negros. Decisões como essa enfrentam mais do que um problema de falsas memórias e psicologia do testemunho, enfrentam a perpetuação do racismo dentro da sociedade carioca — reforça o defensor público.
Observatório do Reconhecimento Fotográfico
Em janeiro, a Defensoria do Rio criou o Observatório do Reconhecimento Fotográfico, para monitorar o cumprimento da recomendação feita pelo Tribunal de Justiça do Rio, segundo a qual magistrados de todo o Estado devem reavaliar prisões preventivas decretadas com base somente no reconhecimento fotográfico da vítima. O Observatório recomenda a todos os defensores(as) criminais que enviem as decisões judiciais referentes à prisão preventiva em casos de reconhecimento fotográfico realizado em violação ao artigo 226 do Código Penal a que tiverem acesso para a Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria, a fim de obter estatísticas e desenvolver atuações estratégicas sobre o tema. Além disso, o Observatório vai indicar que defensores(as) provoquem o juízo caso não haja a reavaliação automática da prisão.
Um relatório da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) aponta para a existência de erros em prisões realizadas tento o reconhecimento fotográfico como única prova. Os dados mostram 58 erros em reconhecimento fotográfico durante o período de junho de 2019 e março de 2020. Em 80% dos casos os acusados eram pessoas negras.