Acusado de assaltar nove pessoas em sequência, no intervalo de meia hora, mas reconhecido por apenas uma delas — a única que se apresentou na delegacia e registrou boletim de ocorrência — exclusivamente a partir de álbum fotográfico para identificação de suspeitos, C.N.S., que é negro, teve a prisão preventiva decretada e cumprida. No último dia 26, porém, por unanimidade, a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça acolheu habeas corpus ajuizado pela Defensoria Pública do Rio, determinando a soltura imediata do rapaz, submetido a “constrangimento ilegal” pelo Juízo da 27ª Vara Criminal, na qual corre o processo.
“Por ora, a única [prova] existente – reconhecimento fotográfico firmado por, apenas, uma das vítimas, ao considerar que as demais não foram identificadas – não é suficiente para a manutenção do paciente no cárcere pontuando-se, ainda, que suas características físicas são comuns e que não houve indicação de nenhuma outra que pudesse individualizar o roubador, estando caracterizado o constrangimento ilegal a justificar a revogação da custódia”, destaca o acórdão, que acompanhou o voto da desembargadora relatora, Denise Vaccari Machado Paes.
Em 21 de dezembro de 2020, um motorista de aplicativo atendeu a chamada de cliente recém-cadastrado. Ao chegar ao endereço informado, no bairro do Estácio, no município do Rio, foi rendido por três homens armados, que o fizeram passar para o banco de trás do carro, de onde, na meia hora seguinte, teria testemunhado o grupo assaltar outras oito pessoas, pelas ruas vizinhas.
Nenhuma dessas vítimas registrou boletim de ocorrência. O único relato do caso foi dado pelo mesmo motorista, que retornou à delegacia em 29 de dezembro, mais de uma semana após o ocorrido, para o reconhecimento dos três assaltantes com base em álbum de fotografias apresentado pelos policiais.
O reconhecimento fotográfico fez com que, em 3 de fevereiro, a Polícia Civil decidisse por indiciar e pedir a prisão preventiva de C.N.S. Somente meses depois, em 31 de agosto, o Juízo da 27ª Vara Criminal tomou conhecimento da denúncia do Ministério Público e decretou a preventiva do acusado; em 9 de setembro, a ordem de prisão foi cumprida.
No pedido de habeas corpus, a defensora pública Clarisse Pitta de Noronha, que atua junto à 27ª Vara Criminal, ressaltou a “ausência de contemporaneidade da medida restritiva diante do lapso temporal – quase oito meses - entre a data da suposta prática delitiva e a decisão judicial”.
A Defensoria também enfatizou que, entre nove pretensas vítimas, apenas uma se fizera conhecer:
“Note-se que ao paciente é imputada a prática de nove delitos de roubo majorado pelo concurso de agentes, emprego de arma de fogo e privação de liberdade da vítima. Porém oito dos sujeitos passivos não foram identificados, conforme expressamente narrado na inicial: (...) Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, ou seja, por diversas ruas do bairro Estácio, os acusados subtraíram com empregos de arma de fogo dois aparelhos celulares de um casal não identificado que caminhava em calçada; mochilas, carteiras e celulares pertencentes a outros três transeuntes não identificados e, depois, pertences de mais três pessoas também não identificadas”.
Em outubro de 2020, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu diretrizes para que o reconhecimento de pessoas possa ser considerado válido. O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia deve ser entendido como etapa prévia a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não é prova em ação penal. A identificação baseada exclusivamente em imagem fotográfica pode ser considerada constrangimento ilegal e causa para nulidade de decretação de prisão preventiva, o que se aplica ao caso de C.N.S.