Uma estudante com deficiência visual conseguiu na Justiça, com a ajuda da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), o direito de utilizar sua máquina de escrever em Braille para realizar a prova para concurso do Banco do Brasil, que ocorreu no último domingo (26). No ato de confirmação da inscrição, a candidata teve negada, pela Cesgranrio, organizadora do concurso, a possibilidade de utilizar o equipamento, sem qualquer justificativa. Foi, então, que o Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência (NUPED) da Defensoria, entrou com uma petição na Justiça.
O pedido foi acatado pelo juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Sandro Lúcio Pitassi, na quinta-feira (23), três dias antes da prova. Na decisão, o magistrado pontuou que “subtrair da parte autora a possibilidade da prestação do concurso indicado na inicial, na forma ora deferida, representa quebra, não só do Princípio da Isonomia, mas, notadamente, do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana”. Assim, a estudante Ana Carolina do Amaral, de 22 anos, conseguiu prestar o concurso com o auxílio de seu equipamento.
A estudante comenta que o processo para a conquista do direito ao uso da sua máquina de escrever em Braille foi estressante, mas que foi fundamental para conseguir fazer a prova. Ainda segundo ela, a prova em Braille e a autorização para o uso de qualquer equipamento de auxílio à pessoa com deficiência não estavam previstos no edital quando foi publicado. “A princípio nós, deficientes visuais, teríamos acesso apenas ao ledor. Então, na redação, por exemplo, teríamos que ditar para ele sem termos a chance de rascunhar”, pontuou.
Ana Carolina se inscreveu no concurso para o cargo de escriturária, que tinha vagas reservadas a pessoas com deficiência. Porém, mesmo solicitando o atendimento diferenciado, como o fornecimento de tecnologias assistivas e adaptações razoáveis como a autorização para uso de sua máquina de escrita em Braille pessoal, teve deferida apenas a ajuda de um ledor para auxiliá-la no concurso, sob o argumento de que as demais tecnologias assistivas solicitadas não tinham previsão no edital.
Após um primeiro pedido da Defensoria e uma recomendação do Ministério Público, a organização do concurso retificou o edital e prorrogou o prazo de inscrição para pessoas com deficiência, solicitando que a assistida fizesse uma nova inscrição. Contudo, na segunda tentativa, novamente Ana Carolina teve negado seu pedido para uso da máquina de escrever adaptada, sem qualquer justificativa. Como se não bastasse, seu namorado, também deficiente visual, inscreveu-se para o mesmo concurso, com os mesmos requerimentos, e teve seu pedido aceito.
A Defensoria então encaminhou pedido à justiça para que o uso do equipamento fosse liberado, visto que, além de não ser eletrônico e não possuir qualquer conexão com internet, a máquina de escrever em Braille é essencial para que a pessoa com deficiência visual possa realizar provas em concursos públicos em igualdade de condições com as demais. Sem esse equipamento fica inviável, por exemplo, a formulação, estruturação, rascunho e escrita da redação com independência. O mesmo vale para questões que envolvam expressões matemáticas.
- O NUPED acompanhou o caso desde o início, quando o primeiro requerimento de atendimento diferenciado foi indeferido. Depois que o edital foi retificado parecia que o problema estava resolvido, mas aí veio a surpresa, na semana da prova, de indeferimento do uso da máquina de escrever em Braille. Fizemos a petição inicial com urgência, com base na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que prevê às pessoas com deficiência o direito de acesso a tecnologias assistivas e adaptações razoáveis nas provas de concursos públicos – afirmou Pedro González, coordenador do NUPED, que assinou a petição.
Ana Carolina estava em semana de revisão das matérias e comenta que precisou lidar com a pressão psicológica da prova e a aflição de não ter certeza se poderia utilizar seu equipamento, já que todo o processo aconteceu bem próximo da data da prova, mas se sentiu reconfortada ao ter seu direito garantido e a possibilidade de disputar sua vaga com e independência e igualdade de condições.
- A pessoa com deficiência, infelizmente, não se dedica apenas a estudar as matérias que estão no edital. Ela tem que administrar todas essas situações relacionadas a acessibilidade, fora os laudos que a gente tem que providenciar para conseguir que esses recursos sejam disponibilizados. Isso é muito desgastante mas, mesmo com esses inconvenientes, eu acredito que essas pessoas devem seguir lutando por seus direitos e mostrando para a sociedade que, apesar de tudo, a gente merece uma chance de pleitear uma vaga. Eu tenho esperança que um dia não precisaremos passar por esse tipo de situação e espero que a minha história leve outras pessoas a lutarem por seus direitos e que ela leve informação sobre os direitos dessas pessoas - disse Ana Carolina.