No mês em que se celebra o Dia Mundial da Alimentação e o Dia da Criança e do Adolescente, o relator especial da ONU Michael Fakhri participará de audiência popular para recolher denúncias sobre a violação do direito à alimentação escolar de crianças e adolescentes durante a pandemia. Além do relator, a audiência contará com a participação de Juciane Gomes, fundadora do movimento Passeata das Mães, Joyce Silva de Pinho, integrante do Grêmio Colégio Estadual Vicente de Jannuzzi, Rodrigo Azambuja, defensor público do estado do Rio de Janeiro, e Deborah Duprat, jurista e subprocuradora-geral da República aposentada. O evento é aberto e será transmitido a partir das 16h em português pela Plataforma de Direitos Humanos - Dhesca Brasil e pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e, em inglês, pela Fian Internacional. 

A violação do direito à alimentação escolar é também tema de carta pública assinada por 130 entidades. No documento, as organizações denunciam o Governo do Estado e a Prefeitura do Rio de Janeiro pela não distribuição de cestas básicas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e questionam o ministro do STF Dias Tóffoli por suspender decisão que obrigava o governo e a prefeitura a ofereceram alimentação aos estudantes durante a pandemia. A suspensão pode afetar quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes.

Além do impacto direto na população do Rio de Janeiro, as entidades signatárias avaliam ainda que a decisão do STF pode fazer com que outros estados e municípios sintam-se desobrigados a garantir a distribuição dos alimentos do PNAE. “Em um momento de crescimento da pobreza - que deve se agravar ainda mais com a extinção do auxílio emergencial - decisões como essa aprofundam a fome e a insegurança alimentar no país”, avalia Mariana Santarelli, relatora de direitos humanos da Plataforma Dhesca Brasil. 

A audiência e a carta fazem parte do processo de construção da relatoria emergencial da Plataforma Dhesca Brasil sobre o direito à alimentação escolar. Prevista para o mês de novembro, a publicação analisará a oferta de alimentação escolar durante a pandemia e contará com dois casos de aprofundamento: o estado do Rio de Janeiro e o município de Remanso, na Bahia. Além de apontar denúncias de violações, o documento apresentará também algumas recomendações públicas, que servirão de ferramenta para cobrar do Estado brasileiro ações de garantia e reparação.

 

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) na pandemia

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é responsável pela oferta de alimentação escolar a todos os estudantes da educação básica pública. Considerado uma das mais relevantes políticas voltadas à garantia do Direito Humano à Alimentação e a Nutrição Adequadas (DHANA), o programa atende cerca de 41 milhões de estudantes, com repasses financeiros aos 27 estados e 5.570 municípios, da ordem de R$ 4 bilhões anuais. Para muitos destes estudantes, é na escola que se faz a única ou principal refeição do dia.

A legislação federal aprovada para atender a situação de emergência de calamidade pública devido à pandemia de Covid-19 prevê que os recursos do PNAE continuem sendo repassados aos entes federados e sejam utilizados para a compra e distribuição de alimentos aos estudantes. Apesar de agilmente aprovada, a legislação falha em não prever orçamento adicional ou expansão do PNAE para o período de pandemia. “O custo da distribuição da alimentação fora do ambiente escolar é muito mais alto. É preciso garantir os parâmetros nutricionais previstos em lei e ainda ter recursos suficientes para logística de distribuição dos alimentos e fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs)”, analisa Mariana.

 

Violações no estado do Rio de Janeiro

A rede estadual de educação do Rio de Janeiro atende cerca de 661.600 alunos, em um total de 1.168 escolas. Para isso recebe anualmente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) cerca de R$ 59 milhões. Esse orçamento é complementado com recursos próprios do governo do estado. Ainda assim, a verba totaliza o insuficiente valor per capita de R$ 1,00 por refeição.

“Pelas entrevistas com representantes da sociedade civil, o que se observa é que desde a suspensão das aulas, em 11 de março, temos vivenciado uma trajetória de muita desinformação e de decisões tomadas de forma unilateral pelo então secretário de Educação. Decisões sem nenhum tipo de diálogo com a comunidade escolar, o conselho de alimentação escolar, ou os agricultores fornecedores do programa”, afirma Mariana Santarelli.

Juciane Gomes, fundadora da passeata das mães, diz que recebem diariamente  por redes sociais denúncias de mães que não receberam as cestas, ou que receberam cartões alimentação sem crédito ou com crédito menor que o divulgado. “Nós nos sentimos lesadas, enganadas, porque a gente tem governantes que estão vendo as dificuldades que estamos passando, e que ainda assim nos humilham, como se fossemos incapazes de alimentar nossos filhos, mas são eles que tem que oferecer merenda digna, é obrigação na lei”, relata.

A Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Rio realizou um amplo processo de escuta que contou com dois instrumentos principais: i) canal de denúncia com base em questionário sobre o fornecimento de alimentação escolar para estudantes das redes públicas municipais e estadual do Rio de Janeiro durante a pandemia, ii) escuta roteirizada das favelas e periferias, junto a lideranças da região metropolitana.

Até 11 de agosto 3.285 pessoas, dentre responsáveis e estudantes, haviam respondido ao questionário. Não é possível identificar se as respostas são referentes às escolas estaduais ou municipais, sendo que a maior parte das respostas veio do município do Rio de Janeiro (79,8%). 53% responderam não terem recebido nenhum tipo de auxílio. Outras 47% responderam que “receberam algum tipo de auxílio, mas de forma insuficiente”. Com relação à insuficiência do auxílio, foram verificados comentários que apontam para um grande número de pessoas que receberam apenas uma parcela em abril, famílias que só receberam auxílio referente a um estudante e não a todos da família; valor financeiro ou quantidade de alimentos na cesta insuficiente para assegurar a alimentação dos escolares.  No processo de escuta das favelas e periferias foram unânimes os relatos sobre a dificuldade das famílias em garantir a alimentação das crianças e adolescentes estudantes da rede pública de ensino básico, sem as refeições nas escolas. A fome nas famílias das favelas e periferias foi um problema quase sempre relatado.

“Ao optar por atender apenas uma parcela dos alunos de forma irregular e com falhas estratégicas de comunicação, tanto o governo do estado como várias prefeituras estão descumprindo com o princípio do atendimento universal a todos os escolares”, afirma Rodrigo Azambuja, defensor público do estado do Rio de Janeiro, coordenador de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da DPRJ.

 

Evento: Alimentação Escolar é Direito: Audiência Popular com relator da ONU
Data: Quinta-feira (01/10)
Hora: 16h
Participantes:
Rodrigo Azambuja, defensor público do estado do Rio de Janeiro
Juciane Gomes, fundadora da Passeata das Mães
Joyce Silva de Pinho, estudante e integrante do grêmio do Colégio Estadual Vicente de Jannuzzi
Deborah Duprat, jurista e subprocuradora-geral da república aposentada

Veja aqui a carta completa.



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