Uma coleção de 523 peças que contam a história das religiões de matriz africana no Brasil será liberada pela Polícia Civil ao Museu da República após 75 anos. A conquista é resultado da campanha Liberte Nosso Sagrado, que teve a participação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) junto a outras instituições e grupos religiosos. O conjunto de objetos, nomeado de Acervo do Sagrado Afro-Brasileiro, conta com obras apreendidas entre 1889 e 1945.
O raro acervo passava por um projeto de liberação desde 2017 com a participação da DPRJ, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Ministério Público Federal, da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e de ao menos 15 casas religiosas do Rio de Janeiro. Contudo, desde 1970, líderes do candomblé e da umbanda já buscavam essa autorização. As apreensões realizadas entre o fim da década de XIX e início de XX, que formaram a coleção, estão ligadas à criminalização das religiões de matriz africana naquele período.
- A devolução dos objetos pelo Museu da Polícia Civil representa um importante passo na reparação histórica devida pelo Estado do Rio de Janeiro por força da perseguição e criminalização das religiosidades de matriz africana. O histórico de repressão de um grupo de religiões pelo Estado e apreensão de objetos sagrados, como se fossem objetos da prática de crimes, é uma expressão do racismo institucional ainda presente nas instituições fluminenses, que deve ser enfrentada e duramente combatida - pontuou a defensora pública e chefe da Coordenadoria de Promoção da Equidade Racial (COOPERA) da DPRJ, Lívia Casseres.
A escolha do Museu da República leva em consideração o projeto apresentado pela instituição para tratar dos objetos e, futuramente, colocá-los em exposição. A ideia é, além de levar as peças ao conhecimento público, afastá-las do contexto criminal ao qual estão ligadas historicamente.
Conhecido como Coleção da Magia Negra, nome que a campanha busca mudar para Acervo do Sagrado Afro-Brasileiro devido à conotação racista do atual, a coleção foi a primeira tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ainda em 1938. O instituto será responsável pela avaliação, higienização, preservação e conservação das peças.