"O dia 7 de agosto de 2020 vai ficar marcado na história das defensorias públicas e da luta antirracista". A frase foi dita e repetida por participantes do Webinar realizado nesta sexta-feira pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em seu canal no YouTube. O evento online marcou o lançamento da Coordenadoria de Promoção da Equidade Racial (COOPERA), que pretende incentivar ações práticas que promovam a igualdade racial dentro e fora da instituição. Segundo a defensora Lívia Casseres, que ficará à frente da COOPERA, uma das primeiras atividades será um curso de formação antirracista voltado para profissionais dos mais diversos níveis da defensoria, por meio de plataformas on-line e do ensino à distância (EAD). Outro projeto é a criação de comitês formados por servidores, estagiários, residentes e movimentos sociais para construir soluções de forma coletiva e capilarizada nas bases, "onde estão situadas as experiências do racismo diário", como afirmou Lívia. 

- Hoje é um dia que a defensoria decide, de uma vez por todas, olhar de frente para esse mito da democracia racial. Entender que o povo negro é a linha de frente da resistência contra o retrocesso, linha de frente da construção da cidadania neste país. Então, ele precisa ser também a linha de frente da política de acesso à Justiça. Esse usuário, que é nosso destinatário em todos os lugares, nas áreas criminal, de família, de infância e juventude, de moradia e habitação, da defesa da mulher, e também esse sujeito que é servidor, estagiário, defensor, agente político. Todos têm contribuições que devem ser ouvidas e que vão construir o futuro da Defensoria Pública, aprendendo com o passado - disse Lívia.

A defensora Daniele Silva, que passará a coordenar o Núcleo Contra a Desigualdade Racial (Nucora), lembrou que o trabalho precisa estar focado na profissionalização das práticas antirracistas para acabar com a barreira do racismo sutil e perverso que está presente nas relações cotidianas. Ela ressaltou que é preciso, antes de tudo, tirar "o véu da demagogia":

- A democracia racial não deu certo. Ser antirracista é se ver racista e falar: eu não quero mais ser. É isso que vamos tentar fazer, de uma forma institucional. Não mais tolerar o racismo tanto interna quanto externamente. Que o nosso assistido não seja vítima de racismo da nossa instituição, do nosso 79% branco. Não é atuar como "tadinho", com pena. Mas entender que aquele assistido negro ou negra é um sujeito de direitos e merece ser tratado sem racismo - declarou Daniele, que emocionou os participantes do evento ao cantar um trecho da música de Jorge Aragão: "Quem cede a vez não quer vitória, somos herança da memória, temos a cor da noite, filhos de todo açoite, fato real de nossa história".

A questão do acesso à educação também foi abordada durante o evento. A defensora pública, professora e diretora administrativa da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ) Lúcia Helena Oliveira lembrou que somente colocar as pessoas negras para estudar talvez não resolva. É preciso pensar numa forma de "pegar na mão".

- O negro que senta ali na escola, em qualquer uma, em sua grande maioria, tem um perfil diferenciado do branco. As origens não são as mesmas. Se você pegar um bom número de estudantes brancos da Fesu, por exemplo, você vai ver que os pais têm tempo para custear aquele estudo, têm condições de bancar de forma diferente em relação aos pais do negro. Nós não estamos em mesmas condições, existe um passo muito atrás. Esse é um grande desafio. Como a gente vai fazer? Não sei a resposta precisa. Mas temos que pensar juntas como a gente vai conseguir equiparar para ter pessoas disputando concursos em condições iguais - disse a professora. 

O webinar teve intensa interação com os participantes durante o evento. "Parabéns por toda luta e por esse evento incrível e necessário!", escreveu Thainá Mamede. "A Defensoria Pública do RJ rasgando o véu que acoberta o mito da democracia racial", disse Leonardo Quintão Fernandes. "Avanço super importante a criação da coordenadoria!", disse Isaac Porto.

A fala do defensor Paulo Ricardo também foi muito elogiada. Ele contou as dificuldades que muitas vezes sente ao atuar nas câmaras cíveis do Tribunal de Justiça por ser negro. 

- Eu já tive o dissabor de receber pessoas que olhavam para o defensor negro, alguém investido de uma função importante, e ser menosprezado. A confiança deixa de estar no profissional, mas na cor da pele. O racismo talvez seja uma falta de reação natural à ascensão do negro dentro da sociedade. Admitem-se os negros em várias outras ascensões sociais como esporte, música e poesia. Mas quando ele sai desse grupo social isso choca. E talvez seja o grande desafio da nossa coordenadoria de equidade, ser o sêmen ou o óvulo que irá gerar um conjunto de normas que talvez possam proteger a nossa população tão sofrida - afirmou Paulo Ricardo.

A professora de Direito da PUC-Rio e pesquisadora em relações étnico-raciais Ana Carolina Mattoso completou o evento com apontamentos para reflexão sobre o tema racial:

- A gente precisa entender primeiro que o racismo é esse dado que vai além de uma perspectiva individual de ofensas e tratamentos diferenciados, mas ele está na dimensão da fundação da sociedade brasileira, na distribuição sistemática de papéis raciais, que funda a figura do negro, do indígena num lugar de subalternidade  e de inferioridade. 

A diretora de capacitação do Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria (Cejur) Adriana Britto lembrou que a luta do combate ao racismo e da promoção da equidade é de todos e não somente de negros e negras.

- Essa coordenação é um passo ousado e histórico que vai possibilitar enfrentar o tema de forma sistemática dentro da Defensoria do Rio e esperamos que possa influenciar outras Defensorias também - disse a defensora.



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