A seletividade do sistema penal foi a tônica do “Webinar: Cinco anos das Audiências de Custódia: Um Olhar Sobre o Perfil dos Presos em Flagrante no Rio de Janeiro”, que a Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) realizou na última quarta-feira (5), por meio de seu canal no Youtube. Pesquisa divulgada no evento mostrou que pelo menos 8 em cada 10 presos são pretos ou pardos. O estudo também apresentou as condições das mulheres encarceradas.
– Quando nós falamos hoje que, em cada 10 pessoas privadas de liberdade no Estado do Rio de Janeiro, oito são pretas ou pardas, isso choca. Se a população que se autodeclara dessa forma é de 51%, temos uma proporção muito grande de negros na porta da entrada do sistema prisional – afirmou a defensora pública Caroline Tassara, coordenadora do Núcleo de Audiência de Custódia da DPRJ.
A pesquisa apresentada no evento decorre de entrevistas realizadas por defensores com 23.497 homens e mulheres conduzidos às audiências de custódia de setembro de 2017 a setembro de 2019. Segundo o estudo, 77,4% das pessoas ouvidas se autodeclararam pretas ou pardas. O levantamento mostra que grupo tem mais dificuldade de obter liberdade provisória (27,4% contra 30,8% de brancos) e sofre mais agressões (40% ante 34,5% de brancos). Este foi o terceiro relatório divulgado pela DPRJ desde a implementação das audiências no Rio, em 2015.
Para Carolina Haber, diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DPRJ, o diagnóstico evidencia disparidade e seletividade no sistema penal fluminense. O problema, de acordo com ela, se verifica em recortes além do racial. É o caso das mulheres, que têm tratamento pouco equânime no cárcere. O número de pessoas do gênero feminino em prisão domiciliar (3%), por exemplo, é bem menor em comparação àquelas que teriam direito a esse benefício, ou por serem mães de filhos menores de 12 anos ou por terem sido presas por crimes sem violência ou grave ameaça (28%).
Participante do evento, Paulo Abrão, secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, afirmou que a situação das pessoas privadas de liberdade no Brasil constitui uma das preocupações mais importantes da órgão, não só pelo fato de o país ocupar a terceira posição no ranking de nações com maior população carcerária do mundo, mas também pela superlotação do sistema prisional e do alto número de prisões preventivas aplicadas. Para ele, são necessárias medidas que preservem o direito das pessoas que ainda respondem às acusações.
Convidada para fechar o evento, Eliene Maria, membro do projeto Mães de Manguinhos, da Frente Estadual de Desencarceramento e da Agência Nacional pelo Desencarceramento, relatou parte da sua história e de seu filho, privado de liberdade após ser baleado enquanto ia para o trabalho em uma operação policial.
Eliene pontuou a falta de assistência aos familiares de pessoas encarceradas, já que os mesmos não são informados, em lugar algum, sobre a necessidade de levar roupas, comida e outros itens necessários a seus parentes. Além disso, frisou que “ser familiar não é crime”, relatando o tratamento dado a este grupo enquanto buscam apoiar o detento.
Audiências de custódia são retomadas
Interrompidas em razão das medidas de isolamento social decorrente da pandemia do coronavírus, as audiências de custódias no Rio retornaram, de forma presencial, na última segunda-feira (3), com todas as medidas sanitárias necessárias.
– Depois de quase cinco meses de suspensão das audiências, não tenho dúvidas que a retomada, nessa semana, é uma vitória gigantesca. É um exemplo para o Brasil de que é possível retornar com segurança, que não é necessário realizar videoconferência, o que seria um esvaziamento do próprio instituto – afirmou a defensora Caroline Tassara durante o evento.
O webinar contou com a participação do defensor público geral Rodrigo Pacheco, que comentou sobre a ação inovadora da Defensoria em atuar no litígio estratégico, além do judiciário. Também participou a desembargadora da 7ª Vara Criminal e supervisora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, Maria Angélica, que falou sobre a dificuldade de se trabalhar com custodiados, pois os mesmos são tratados por muitos como se não tivessem direitos. Esteve presente a consultora do Programa Justiça Presente, do Conselho Nacional de Justiça, Luciana Simas, que destacou a prevenção e combate à tortura e a garantia de aplicação de medidas cautelares além da prisão. A apresentação de todo o evento foi conduzida pelo Coordenador de Defesa Criminal da DPRJ, Emanuel Queiroz.
O Webinar foi realizado com o apoio do Centro de Estudos Jurídicos (Cejur) da DPRJ e da Fundação Escola da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (Fesudperj).
A pesquisa completa está disponível em: https://bit.ly/2XyscPc