A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) conseguiu, nesta segunda-feira (20), a liberdade de dois indígenas da etnia Itaxim Guarani, que vive em Paraty. Os jovens de 18 e 21 anos estavam presos há quatro meses sob acusação de tentativa de furtar gases, álcool em gel, esparadrapos e outros insumos do posto de saúde da aldeia.
Apesar de os jovens terem devolvidos os itens imediatamente após a tentativa de furto, acabaram presos após intervenção policial – nos últimos 20 anos só havia acontecido uma intervenção na aldeia, realizada em decorrência de um surto psicótico. Em pedido de Habeas Corpus, instruído por parecer antropológico solicitado a especialistas, a Defensoria Pública destacou que os homens eram réus primários e tinham bons antecedentes.
A única testemunha do ato afirmou inclusive que, quando abordado, o homem mais jovem não foi violento e agiu pacificamente na devolução dos insumos. Quanto ao mais velho, identificado como estudante de magistério e contratado para ministrar aulas no Colégio Indígena Estadual Guarani Karai, Kury Rend, não há nenhuma informação que confirme a participação no furto.
O defensor público Frederico Laport, que fez o pedido, destaca que todos os conflitos na aldeia são resolvidos internamente e que, segundo resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a responsabilização de pessoas indígenas deve considerar os mecanismos próprios da comunidade indígena a que pertence a pessoa acusada, mediante prévia consulta.
- Como o cacique de Angra dos Reis faleceu, a FUNAI não poderia buscar os índios no presídio Patrícia Acioli, onde estavam. Como não dominam o idioma, haveria risco. Logo, fui pessoalmente buscá-los levei-os para a aldeia. O estabelecimento penal é mecanismo exógeno à organização social dos povos indígenas e não se baseia nos seus métodos de solução de conflitos tradicionais - comentou o defensor.
A decisão de soltura destaca a Recomendação nº 62 do CNJ, feita aos tribunais e magistrados do país, para que adotem medidas de maior cautela na manutenção de prisões, em especial as preventivas, paras grupos de risco ou suspeitas de crimes sem violência ou grave ameaça.
Neste caso em especial, leva-se também em consideração a Resolução 287/2019 do CNJ que solicita prioridade para reavaliação das prisões que envolvam indígenas e a importância de tratamento jurídico diferenciado a essa população como a garantia da presença de intérprete em todas as etapas do processo, especialmente se houver dúvidas sobre o domínio e entendimento da língua portuguesa. Tal direito não foi respeitado durante a prisão dos dois índios de Paraty.
Em ofício, a Fundação Nacional do Índio (Funai) aponta que, aos índios da etnia Guarani da Aldeia Itaxim, “falta domínio da Língua Portuguesa, fato que reflete diretamente na dificuldade em entender os diálogos quando ocorrem em português”.
Revogada a prisão, os indígenas deverão ainda obedecer a medidas cautelares enquanto perdurar o processo. Entre elas, a proibição de ausência do estado do Rio por mais de oito dias sem prévia autorização, comparecimento em juízo sempre que intimados e impedimento de mudar de endereço sem prévia comunicação e atualização.