A Defensoria Pública conseguiu, nesta terça-feira (21), junto à 24ª Câmara Cível, suspender decisão liminar que havia determinado a desocupação do Loteamento do Taboado (ocupação Ecovila Aldir Blanc) e, consequentemente, autorizado o Município de Cachoeiras de Macacu a demolir as moradias erguidas no local, onde atualmente vivem 26 famílias.
Para reforçar os argumentos jurídicos, o defensor público Diogo Esteves anexou ao agravo de instrumento, além de fotos da comunidade, um breve vídeo com depoimentos e imagens, feito pelos próprios moradores e enviado para o Whatsapp do atendimento remoto da Defensoria Pública. O material foi publicado no Youtube em modo privado, e o acesso dos desembargadores possível por link e por QR Code inserido no corpo da peça processual.
— O uso de Visual Law nas petições pode tornar o Direito e as provas mais claras e compreensíveis. O excesso de processos judiciais (são 78,6 milhões de processos judiciais em trâmite no país, sendo 10,9 milhões apenas no Tribunal de Justiça do Rio), a elevada carga de trabalho e as atuais deficiências do sistema de processo eletrônico tornam o uso de recursos visuais nas petições uma ferramenta importante na facilitação da exposição do caso ao tribunal — explica o defensor público.
As imagens utilizadas pela Defensoria no processo ilustram as condições precárias das famílias, formadas por pessoas em situação de extrema vulnerabilidade e, inclusive, por bebês, crianças, idosos e gestantes.
“Por não ser a localidade servida por energia elétrica, água encanada, telefonia, coleta regular de lixo ou iluminação pública, as condições de habitabilidade se afiguram extremamente precárias. Além disso, diante da reduzida condição econômica da comunidade, as moradias erigidas no loteamento são comoventemente humildes”, destaca o texto do agravo de instrumento, que também questionou a ausência de intimação prévia da Defensoria Pública para ser ouvida no processo antes da prolação da decisão que determinou a desocupação da área.
Segundo a Defensoria Pública, a ocupação do Loteamento do Taboado não é tão recente quanto afirma o Município.
“O fato de muitas moradias serem erguidas de forma precária, com o uso de lonas e madeiras, não constitui demonstração de curta ocupação temporal; na realidade, isso apenas demonstra que os moradores do Loteamento do Taboado são extremamente pobres e que não possuem recursos suficientes para arcar com estrutura de moradia mais adequada”, ressalta o recurso.
Desde fevereiro, a Prefeitura tenta retirar as famílias do local. Após a tentativa de desocupação forçada feita com apoio de guardas municipais, a Defensoria ajuizou ação civil pública para impedir a violação dos direitos possessórios dos moradores. O pedido em caráter liminar, porém, foi indeferido em primeira instância e o recurso ainda aguarda apreciação do Tribunal de Justiça. Em maio, o Município então entrou com pedido de reintegração de posse com demolitória, e obteve liminar junto ao juízo local. A decisão, porém, foi cassada pela 24ª Câmara Cível, que concedeu efeito suspensivo em agravo de instrumento apresentado por Diogo Esteves e despachado pelo defensor de Classe Especial Cleber Francisco Alves.
— De acordo com pesquisa recentemente realizada pelo Global Access to Justice Project, 43% dos países adotaram medidas de política judicial para evitar despejos e execuções hipotecárias durante a pandemia. Portanto, a desocupação forçada do loteamento contraria a política judicial global de proteção às pessoas e às famílias contra os impactos econômicos e sociais gerados pela covid-19 — esclarece Diogo Esteves.
O desembargador relator do agravo de instrumento, André Luiz Cidra, justificou a concessão de efeito suspensivo à Defensoria “por se tratar de demanda multitudinária, estando relacionados dentre os ocupantes pessoas duplamente hipossuficientes, como crianças e idosos vivendo em condição de miserabilidade, exigindo-se, assim, menor ortodoxia diante da realidade social agravada pela pandemia, apurando-se melhor a situação fático-jurídica, de modo que o provimento judicial advenha de maior aprofundamento por elementos persuasivos e argumentativos.”
— O problema da falta de moradia constitui fenômeno multidimensional e multicausal que não deve ser analisado pela estreita via da cognição possessória sumária. A construção de soluções negociadas, com a participação do poder público e todas as famílias afetadas, sempre constitui a saída mais adequada — afirma o defensor público.
No mesmo dia em que a 24ª Câmara Cível suspendeu a reintegração de posse, o Polo de Atendimento Remoto da Defensoria Pública em Cachoeiras de Macacu recebeu uma mensagem da coordenação da ocupação Ecovila Aldir Blanc, saudando o “empenho e determinação do importante trabalho” da Defensoria Pública: “Sabemos da importância desse órgão para a população carente e desde já queremos agradecer e nos colocamos à disposição dessa instituição que sempre defendeu o povo mais humilde”.