A contenção ao contágio do coronavírus nos presídios deve pautar a análise dos processos em todo o país conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em Habeas Corpus da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ). Em decisão que chama atenção para o impacto da pandemia no cárcere (a exemplo do que ocorreu com os presos na China), o ministro Gilmar Mendes converteu a prisão preventiva de uma mãe lactante em domiciliar após o pedido ter sido negado pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Outra decisão obtida pela Defensoria nesse sentido foi proferida pelo STJ a uma presa que, além de gestante, é mãe de uma criança menor de 12 anos. Ela está entre as 13 mulheres atualmente nos presídios com direito à prisão domiciliar pela gravidez ou por ser lactante ou mãe com filho(s) sob sua responsabilidade.
Proferida no dia 7 de abril com a determinação de que seja feito o monitoramento eletrônico da lactante, a decisão do STF beneficia a mulher presa em 18 de junho por roubo de celular. No dia 14 de outubro, ou seja, quatro meses após a prisão, ela deu à luz no presídio e 10 meses depois do encarceramento sequer foi interrogada na Justiça de 1ª instância. Com o pleito anteriormente negado em outras esferas judiciais, a lactante tornou-se mãe no sistema carcerário e o bebê, atualmente com seis meses, está confinado na Unidade Materno-Infantil, localizada ao lado da Penitenciária Talavera Bruce (cujo índice de superlotação atingiu os 132% em março de 2020).
— O ministro corrigiu os equívocos cometidos pelas instâncias inferiores em não reconhecer a incidência dos parâmetros traçados pelo HC 143.641 (que concedeu prisão domiciliar a gestantes, puérperas etc), definidos pelo próprio STF. Além disso, Gilmar Mendes discorreu com propriedade sobre a excepcionalidade da prisão processual, a qual, nesse momento de pandemia, só pode ser aplicada em casos especialíssimos. No feito levado a julgamento, não consta na acusação prática de ato de violência real, tornando a substituição por prisão domiciliar imperativa — destaca o coordenador de Defesa Criminal da DPRJ, Emanuel Queiroz.
Para Gilmar Mendes, a Recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sobre a adoção de medidas contra o avanço da COVID-19 nos presídios, deve servir de "parâmetro" principalmente em relação a gestantes, lactantes, mães e responsáveis por crianças de até 12 anos. Em sua decisão, ele destaca que no cenário atual "o Estado deve adotar uma postura proativa para reduzir os danos que certamente assolarão diversas vidas", e que "não se trata aqui de verificar a legalidade ou não da decisão que impõe a prisão ao paciente, mas de analisar casos que, por suas características concretas, possam ser convertidos para prisão domiciliar, de modo a reduzir o número de mortes que certamente ocorrerão nas prisões brasileiras, que, em um estado de “normalidade”, já reconhecemos como reprodutoras de violações sistemáticas a direitos fundamentais".
"É importante destacar que a possível manutenção de presos submetidos ao risco de uma grave pandemia em condições inseguras e desumanas de detenção pode configurar violação à proibição constitucional da imposição de penas cruéis", escreveu o ministro na decisão.
Prisão domiciliar também foi concedida pelo STJ
A Defensoria também obteve a conversão da prisão preventiva em domiciliar para uma mulher que, além de gestante, é mãe de uma criança menor de 12 anos. Em habeas Corpus dessa vez analisado pelo STJ, a medida foi concedida pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro com a observância de que a presa, acusada por tráfico e associação para o tráfico, não praticou crime contra o próprio filho e nem com emprego de violência ou grave ameaça.
Também proferida no dia 7 de abril, a decisão do ministro leva em consideração o Habeas Corpus coletivo 143.641, em que o STF autoriza a conversão da prisão preventiva em domiciliar para gestantes, puérperas e mães de crianças e pessoas com deficiência sob sua responsabilidade, desde que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça.
"Mantê-la segregada constitui-se, portanto, em constrangimento ilegal contra o infante presumidamente desassistido sem a presença física da mãe", escreveu o ministro na decisão.
Outras 13 mulheres (entre gestantes e lactantes) continuam presas
Mesmo com o avanço da pandemia no estado, outras 13 mulheres (entre gestantes e lactantes) permaneciam presas preventivamente até esta terça-feira (14). Eram 27 no início da adoção de medidas restritivas decorrentes do coronavírus, sendo 19 grávidas na Penitenciária Talavera Bruce e oito lactantes na Unidade Materno-Infantil. Uma delas perdeu a criança por sífilis no feto e na placenta, doença que, segundo estudos em andamento, atinge 25% dos bebês nascidos no sistema prisional.
Das 13 encarceradas com direito a prisão domiciliar, três aguardam a apreciação do pedido pela Vara de Execuções Penais (VEP) desde o dia 16 de março, inclusive com parecer favorável do Ministério Público estadual (MPRJ) à concessão da medida nos três casos.
Texto: Bruno Cunha