“É certamente um desafio a gente interpretar a legislação já existente e ao mesmo tempo entender esses novos fenômenos que vão sendo criados com essa socialização digital, especialmente durante a pandemia em que crianças, adolescentes e suas famílias foram hiper digitalizados”. A frase de Pedro Hartung, advogado e diretor de políticas e direitos das crianças do Alana, deu o tom do debate e guiou as conversas durante a último webinar do Ciclo de Palestras sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), promovido pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ).
O evento, que tratou da proteção de dados e direitos das crianças e dos adolescentes, foi transmitido ao vivo pelo canal da DPRJ no YouTube e contou com a participação da encarregada de Proteção de Dados e Subcoordenadora Cível da Defensoria Pública, Beatriz Cunha; do Coordenador de Infância e Juventude, Rodrigo Azambuja; além dos representantes do Instituto Alana, organização de impacto socioambiental que promove o direito e o desenvolvimento integral da criança, Isabella Henriques, advogada e diretora executiva; e Pedro Hartung, advogado e diretor de políticas e direitos das crianças.
O objetivo da palestra era entender a importância de criar um espaço digital livre da exploração comercial infantil e no qual sejam garantidos os direitos de crianças e adolescentes. Segundo a defensora Beatriz Cunha, é fundamental colocar em pauta essa discussão dentro da Defensoria para poder pensar nos desafios que virão, mas, ao mesmo tempo, é necessário estamos atentos para não pretender interditar o uso da internet pelas crianças, entendendo que a rede também é instrumento para a promoção de direitos.
– A gente não poderia encerrar esse ciclo de palestras sem falar do direito das crianças, que são pessoas em situação de desenvolvimento. De uns tempos pra cá, a gente tem visto o tema ganhar ainda mais importância diante da pandemia e do uso cada vez maior das novas tecnologias pelas crianças. Então, enquanto antes as crianças podiam conviver sem ser pelas telas, hoje em dia as telas se tornaram instrumento para o exercício de vários direitos – pontuou Beatriz.
Diante do cenário de cuidado com os dados das crianças, a advogada e diretora executiva do Alana, Isabella Henriques, pontua que a publicidade, que se torna cada vez mais personalizada, é um dos fatores que merecem mais atenção na proteção das informações infantis.
– A publicidade do passado existia para apresentar os produtos, mas ao longo das décadas isso foi mudando e cada vez mais a publicidade fala com as emoções das pessoas. Ela é ainda mais sofisticada porque se vale da perfilização, ou seja, as crianças, assim como nós adultos, estão deixando seus dados pessoais, sobre o que gostam e outras informações no ambiente digital e isso faz com que a publicidade possa ser dirigida para grupos específicos, que têm determinados perfis. Ela fala diretamente aquilo que aquela audiência está procurando ou gostaria de ouvir – destacou.
Pedro Hartung, advogado e diretor de políticas e direitos das crianças do Alana, ressaltou também a necessidade de entender que a criança não é um mini adulto e sim um indivíduo em uma fase peculiar de desenvolvimento. É justamente nesta etapa da infância que acontece o maior pico e fase mais sensível do desenvolvimento humano. É neste contexto que o artigo 277 da Constituição Brasileira, citado pelo palestrante, ganha grande relevância.
– Para quem é do direito sabe que o artigo 227 é um dos mais importantes da Constituição porque em nenhum outro lugar existe uma conjunção de palavras tão forte: absoluta prioridade. É uma corresponsabilidade da família, sociedade e Estado e quando a gente fala de responsabilidade a gente também está falando de empresas. Nós precisamos cuidar dos ambientes, inclusive das mídias, onde essas crianças estão. É fundamental que a gente possa, para efetivar esse direito a prioridade absoluta e respeitar a sensibilidade de desenvolvimento de crianças e adolescentes, olhar para o ambiente em volta dela, inclusive o digital – ressaltou Pedro.
Em contrapartida, o coordenador de infância e juventude da DPRJ, defensor Rodrigo Azambuja, deu atenção à importância de não deixar que a retórica de proteção às crianças seja usada como pretexto. Para ele, há a necessidade de cuidado na hora de exibir determinados conteúdos, mas é necessário também compreender até que ponto esse cuidado interfere no controle da mensagem que é entregue às crianças.
– A grande questão é como vamos conseguir fazer com que o princípio do melhor interesse na aplicação da proteção dos dados da criança, que estarão ligados à privacidade, não seja utilizado de forma voluntarista e subjetivista. Isso pode muitas vezes legitimar discursos de tentar, sob esse manto da proteção de crianças, impossibilitar que eles tenham acesso à determinada informação que é absolutamente imprescindível para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária – afirmou.
O Ciclo de Palestras sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) promovido pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro teve início em junho e contou com cinco webinares transmitidos às sextas-feiras. A iniciativa tem como objetivo engajar os integrantes nas práticas de privacidade implementadas nos respectivos órgãos de atuação, a fim de adequar a assistência jurídica prestada pela instituição à LGPD.
A playlist completa com todos os dias de evento está disponível aqui.