A Defensoria Pública do Rio de Janeiro pediu à Justiça uma audiência especial urgente envolvendo o Estado do Rio e o Município de Itaguaí no processo da Ação de Reintegração de Posse do terreno da Petrobras, naquele município, que deixou cerca de 350 famílias desabrigadas. Elas foram retiradas do local no dia 1º de julho e estão alojadas em um CIEP, sem condições de salubridade e sem estrutura de higiene pessoal e alimentação adequadas.

A Defensoria Pública já fez dois atendimentos no local e ouviu 435 pessoas. De acordo com levantamento apenas do primeiro dia, 40% dos desabrigados relataram não possuir qualquer tipo de moradia e cerca de 51% disseram depender do pagamento de aluguel. Na ocasião, as famílias computavam 96 crianças e adolescentes, 14 idosos e 21 pessoas com deficiência. Ainda segundo o levantamento, 36% não recebem nenhum benefício social. Dentre os que recebem, 46% auferem auxílio emergencial e 44% Bolsa Família, o que denota a extrema vulnerabilidade dessas pessoas. Um total de 94% das famílias entrevistadas perderam bens durante a desocupação, 27% perderam documentos durante a desocupação e 58% relataram ter sofrido alguma agressão física ou verbal no ato da reintegração de posse.

- Esses dados consolidados do "cadastramento” realizado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro revela um diagnóstico social que desmonta muitas das conjecturas, preconceitos e ilações construídas ao redor da coletividade “acolhida” no CIEP 496. E denuncia, ao fundo, a realidade vulnerável e miserável de grande parte da população brasileira em situação de risco social e desalojados em sua essência das políticas sociais e de sua própria dignidade humana - disse a defensora pública e coordenadora Cível da DPRJ, Patrícia Cardoso. 

Na petição, a Defensoria pede ainda que, em respeito aos direitos dos cidadãos, seja apresentado um diagnóstico é um cadastro único com a identificação e mapeamento das necessidades e demandas das famílias e dos indivíduos para que seja possível a sua inserção nas políticas socioassistenciais e habitacionais, viabilizando um acolhimento provisório digno e a desmobilização gradual e digna no CIEP para evitar uma nova desocupação forçada com novo e sucessivo aumento das vulnerabilidades sociais dessa população. Solicita, ainda, na tentativa de agilizar e facilitar as negociações em audiência especial, que o Estado e o Município de Itaguaí apresentem, desde já, todas estas informações em audiência assim como as ofertas de serviços e benefícios socioassistenciais identificados para cada família e indivíduo acolhido.

Por fim, a instituição requer a intimação da Fundação Leão XIII para que apresente, em audiência, o relatório prometido sobre a inclusão dessas pessoas em programas sociais de renda, e da Secretaria de Assistência Social do Município do Rio de Janeiro para que colabore nos desdobramentos necessários ao efetivo cumprimento das decisões judiciais já incluídas aos autos.

- É premente que o Estado do Rio de Janeiro e o Município de Itaguaí assumam de imediato a responsabilidade social assumida, inclusive perante o juízo, acolhendo, levantando a história de vida, as necessidades e demandas de cada indivíduo a fim de realizarem um efetivo trabalho de inclusão social. A simples disponibilização de uma escola em condições inadequadas não se confunde com acolhimento e em muito se distancia de um papel efetivo de assistência social. Sem uma escuta e diálogo com empatia e implicação na relação com o outro só há aumento da tensão e do histórico de vulnerabilidade que marca cada um que se sujeita a uma condição indigna apenas para comer e ter um local para dormir - afirmou a defensora pública e coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, Thaisa Guerreiro.  

De acordo com as vistorias realizadas no CIEP em que se encontram as famílias, não há chuveiro e locais para armazenamento dos bens pessoais e alimentos; não há privacidade individual e/ou familiar; não há espaço para realização de refeições; há falta de leite, alimentação adequada, fraldas e pomadas contra assaduras para as crianças pequenas; há intermitência no fornecimento de água para higienização pessoal; insuficiência de água potável e problemas no esgotamento sanitário, com frequentes alagamentos dos banheiros. 

Desempregada, Janaína Ribeiro da Silva conta que ela e a família ficam numa sala com mais de 40 pessoas no CIEP, sem privacidade e em péssimas condições.

- Eu trabalhava com carteira assinada, mas fiquei desempregada na pandemia. Não tive condições de manter o aluguel e fui despejada, com dois filhos menores. Fiquei sabendo da ocupação por meio de parentes e amigos. Vi ali um meio de ter um lugar para ficar. Fiz o meu barraco e me senti abrigada. Meus filhos almoçavam, tomavam café por meio da organização que tinha lá. E eu tinha onde ficar. Era a esperança de construir algo melhor - conta Janaína. 

A defensora pública Viviane Tardelli, coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação (NUTH), destacou que o problema vivenciado pelas famílias que se encontram no CIEP revelam o grave problema do déficit habitacional que atinge pessoas mais vulneráveis. 

- A falta de políticas públicas habitacionais agrava esse cenário. Com 30 anos de existência, o NUTH vem atuando em diferentes casos de violações do direito social à moradia: Vila Autódromo, Providência, Casarão Azul, Arroio Pavuna, Canal do Anil, Indiana, Solar da Montanha, Rodrigues Alves e Trapicheiros. Observa-se que famílias sem moradia compõem um dos grupos mais vulneráveis da sociedade, com diversos outros direitos violados. Sem moradia, a realização de outros direitos fundamentais é ainda mais difícil - afirmou Viviane.



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