Na noite desta segunda-feira (19), o plenário do Senado confirmou a votação da Câmara dos Deputados e derrubou vetos do presidente Jair Bolsonaro ao chamado Pacote Anticrime. Um deles era o trecho que anulava a proibição das audiências de custódia por videoconferência. O texto original aprovado determinava a realização de audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência. Para o presidente da República, porém, o uso de vídeo já seria permitido para outros atos processuais e, além disso, as audiências presenciais poderiam prejudicar a celeridade do processo e resultar em aumento de despesa. Os parlamentares não concordaram com esse entendimento e derrubaram o veto.
- A videoconferência não deve ser empregada em audiências de custódia, em primeiro lugar porque pressupõem que o preso seja levado à presença do juiz, sendo da essência delas que o juiz veja o estado em que a pessoa se apresenta, perceba olhares, posturas, expressões corporais, que não são transmitidos adequadamente através de uma tela. Muitas vezes, a própria ocorrência de tortura no momento da prisão, que deve ser aferida nessas audiências, é percebida por estes fatores; se consegue ver que há algo errado - explica a defensora pública do Rio Mariana Castro de Matos, coordenadora do Núcleo de Audiências de Custódia.
Em janeiro deste ano, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro fez um levantamento que ratifica a importância das audiências de custódia presenciais para evitar que possíveis maus tratos, torturas e outras violações a direitos de presos em flagrantes deixem de ser denunciados ou percebidos. Com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Defensoria mostrou que, no período em que as audiências ficaram suspensas em razão do início da pandemia, de 19 de março a 2 de agosto de 2020 – e os únicos dados sobre agressões, então, eram os que constavam dos autos de prisão em flagrante (APF), já que os presos não eram entrevistados –, houve uma subnotificação de registros de violência contra pessoas detidas. Apenas 0,83% dos autos de prisão indicava a ocorrência de tortura. Em contraste, entre setembro de 2017 e o mesmo mês de 2019, quando eram realizadas audiências de custódia, como agora, e os presos apresentados e questionados sobre eventual violência sofrida, em 38,3% dos casos denunciaram ter sofrido tortura ou maus tratos.
- A pessoa presa, em audiência de custódia por videoconferência, dificilmente se sentiria segura para expor a pessoas do outro lado de uma tela a tortura que sofreu; possivelmente, depondo em uma delegacia ou presídio, ainda sob custódia de seus agressores, teria medo de expor a situação e sofrer represálias assim que as câmeras desligassem, ou poderia, mesmo, estar de fato sofrendo coação sem que isso fosse verificado por juiz, promotor e defensor. O Protocolo de Istambul, manual da ONU que traz diretrizes para coleta de depoimentos de tortura, é claro no sentido de que ele não deve ser colhido nessas condições, pois pode gerar respostas imprecisas ou mesmo pôr em risco o depoente. A audiência de custódia tem de ser presencial - completa a defensora.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou, em novembro de 2020, a realização de audiências de custódia por videoconferências durante a pandemia do novo coronavírus. Em julho, o CNJ havia proibido as audiências virtuais, que foi contestado posteriormente pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB). Na ocasião, 78 entidades, incluindo a DPRJ, enviaram ao ministro Luiz Fux, presidente do CNJ e do STF, um ofício defendendo as sessões presenciais porque o instrumento exige a presença física do preso diante do juiz, para que este possa ver inteiramente o estado do preso, e este sinta segurança em relatar o que lhe tenha ocorrido. Estes argumentos agora foram acolhidos pelo Congresso Nacional, que vedou expressamente a realização de audiências de custódia por videoconferência em dispositivo do Código de Processo Penal.